Por Marina Gomide, Lara Arce, Gustavo Villa e Rodrigo A. Magalhães.

Introdução

Em junho, diversos grupos étnicos do hemisfério sul celebram o início de um novo ciclo anual.

No Brasil, alguns povos indígenas dos troncos Tupi e Macro-Jê tradicionalmente marcam seu ano novo pelo nascer helíaco das Plêiades — um aglomerado estelar conhecido na língua Tupi como Seichú, que está associado ao enxame de abelhas.

Essa associação não é casual: as abelhas nativas sem ferrão (meliponas) — também conhecidas como “abelhas indígenas sem ferrão”, já estudadas e valorizadas pelos povos originários muito antes da colonização — não apenas desempenham um papel vital na polinização e na manutenção dos ecossistemas, mas também se tornaram referências simbólicas para a passagem do tempo.

Embora as Plêiades (Seichú) sirvam como marcador astronômico para diferentes povos, seu significado prático varia conforme a região e o clima local.

Em algumas culturas, seu aparecimento anuncia o início das chuvas e o plantio; em outras, coincide com a estiagem ou com períodos específicos de colheita — refletindo a profunda conexão entre os ciclos celestes, os ritmos da natureza e os saberes tradicionais de cada povo.

A astronomia e os ciclos agrícolas: das Plêiades às Festas Juninas

Utilizar marcadores astronômicos para determinar o início do Ano Novo está presente no cotidiano dos povos originários.

Os egípcios, por exemplo, observavam o nascer helíaco de Sírius1 — o reaparecimento da estrela no céu antes do amanhecer — para sincronizar seu calendário com as cheias do Nilo.

Essa prática revela uma preocupação universal: alinhar a vida humana aos ritmos da natureza, como plantio, colheita, fertilidade e integração à ordem cósmica.

No Brasil, vários povos indígenas — dos Tupi aos Macro-Jê — celebram com grande significado o nascer helíaco das Plêiades em junho.

Esse fenômeno astronômico anuncia o período de abundância, marcando a época da colheita e da fartura, incluindo a coleta do caju (akaîu), do umbu e a colheita do milho (abati) etc.

Mas a verdadeira “Rainha do Brasil” é a mandioca (mani’oka), símbolo do conhecimento agrícola indígena, cultivada em todos os biomas do país.

Não é à toa que toda essa tradição alimentar foi incorporada às Festas Juninas2, que celebram o fim de um ciclo e a esperança de renovação para as próximas plantações.

As Plêiades e a constelação da Arapuca

Para os povos Tupi, as Plêiades eram conhecidas como Seichú3. Como registra Afonso4 (2012, p. 2-3):

“Uma das principais constelações Tupinambá é Seichú, que significa favo de abelhas e representam as Plêiades.”

Seu nascer helíaco, conforme descrito por Matsuura5 (2013, p. 57) seguia uma sequência determinada:

“O ocaso helíaco ocorre perto do dia 28 de abril, não sendo mais visíveis à noite até perto do dia 5 de junho quando ocorre, novamente, o seu nascer helíaco…”.

De forma mais precisa, o ocaso helíaco pode acontecer entre 28 de abril a 5 de maio, a depender da região. Por volta de 5 de junho, este evento astronômico anunciava um novo ciclo. Mas como observá-las em noites nubladas?

A resposta está na constelação da Arapuca (Monde Py, para os Guarani), que servia como um “cronômetro celeste”.

O surgimento das Plêiades podia ser previsto pelo alinhamento de três estrelas da Arapuca, que apareciam em intervalos decrescentes:

  • Delta de Andrômeda: 45 dias antes;
  • Rasalmothallah (Alpha Trianguli): 30 dias antes;
  • 41 de Áries (Bharani): 15 dias antes.6

Quando essas estrelas das Plêiades desaparecem do céu ao anoitecer (por volta de 28 de abril), o Grande Quadrado de Pégaso já brilha antes do amanhecer, sinalizando que o ciclo está prestes a recomeçar.

Assim, a observação celeste não representa apenas um guia para a agricultura, mas também uma forma de integrar o homem à ordem do cosmo, unindo céu e terra em um eterno recomeçar.

O nascer helíaco de Seichú (Plêiades) divide o ciclo anual em duas partes, Tempo Novo e Tempo Velho:

O calendário guarani está ligado à trajetória aparente anual do Sol e é dividido em apenas duas estações do ano: o ara pyau (ou tempo novo) e o ara ymã (ou tempo velho), em guarani. Ara pyau é o período de primavera e verão, sendo ara ymã o período de outono e inverno.” (Afonso, 2011, p. 33)7

Após o nascimento das Plêiades temos outro fenômeno marcador do calendário tupi e guarani — a floração do caju (akaîu). Conforme do dicionário Tupi Antigo — A língua indígena clássica do Brasil:

“A palavra CAJU ainda é usada no Norte e no Nordeste do Brasil com o sentido de ano: — Quantos CAJUS você tem? Ele tem lá seus cajus. De CAJU em CAJU (isto é, de ano em ano). Isso porque o cajueiro frutifica somente uma vez por ano e era uma prática dos índios tupis da costa guardar a castanha dessa fruta para saber se já eram velhos. Daí, também, os nomes geográficos ACAJUTI BA (BA), ACAJUTIBIRÓ (PB) etc. (v. Rei. Top. e Antrop. no final).” (Navarro, 2013, p.21)8

Essa observação e relação orgânica com os fenômenos da natureza está presente nos marcadores do tempo de todos os grupos indígenas.

No caso dos tupi, nota-se essa relação nos nomes que indicam:

  • O ano (akaîu) — associado ao ciclo do caju, fruto que marca o tempo de colheita;
  • O mês (îasy) — vinculado às fases da lua, regente dos ciclos agrícolas e rituais;
  • O dia (‘ara) — literalmente “a luz do sol”, que orienta o trabalho cotidiano;
  • A noite (pytuna) — o período da escuridão, do repouso e dos sonhos;
  • O calendário (‘ara ra’angaba) — o “instrumento de marcar o tempo”, que reflete seu sofisticado conhecimento astronômico.

Todo esse conhecimento é sintetizado no observatório solar presente nas aldeias tupi e guarani — Kûarasy ra’angaba (instrumento que marca o tempo e o lugar do sol).

A partir desse simples e sofisticado instrumento é possível organizar a:

  1. Orientação cósmica: Determinar os solstícios e equinócios, sincronizando as atividades humanas com os ritmos celestes;
  2. Gestão agrícola: Define os períodos de plantio e colheita;
  3. Organização social: Estrutura o calendário ritual e comunitário.

As abelhas nativas (meliponas) e as Plêiades

O espetáculo celeste do Seichú (Plêiades) encontra sua perfeita analogia terrestre no comportamento dos enxames de abelhas nativas.9

Em Pindorama, o Brasil anterior à invasão, antes da introdução das abelhas europeias no século XIX e africanas no século XX, essas polinizadoras nativas eram as únicas produtoras de mel, como atesta Ballivián10 (2008, p.15):

“No Brasil, até o século XIX, o mel e a cera […] eram provenientes das abelhas sem ferrão.”

A riqueza dessa biodiversidade se revela nas mais de 400 espécies identificadas, todas pertencentes à tribo Meliponini.11

Entre as mais conhecidas destacam-se a jataí, mandaçaia, uruçu e manduri — cada nome carregando em sua etimologia indígena séculos de conhecimento ecológico.

Como demonstra Nogueira Neto12, povos como os Kayapó e Guarani M’byá desenvolveram sofisticados sistemas de classificação que engloba desde a estrutura dos ninhos até a organização social desses insetos.

O ciclo natural se completa com as primeiras chuvas, quando a florada estimula a coleta de pólen pelas abelhas, marcando o início da reprodução das rainhas.

Cada produto dessa relação simbiótica possui múltiplos usos: o mel como medicamento e alimento, o pólen como suplemento nutricional, e a cera na confecção de artefatos e vedação de canoas (Dos Santos et al., 2023).13

Essa conexão transcende o terreno e alcança o cosmo.

O nascer helíaco das Plêiades — seu reaparecimento no céu antes do amanhecer — serve como marcador astronômico para os povos originários, anunciando o período de intensa atividade nas colmeias.

Quando as rainhas iniciam a postura e as operárias intensificam a coleta de néctar e geoprópolis, tem início a produção do mel excepcional das abelhas nativas, superior em qualidade e propriedades medicinais às variedades do gênero Apis.

O reconhecimento desse valor permeia diversas culturas.

O mel de jataí, com suas comprovadas propriedades pulmonares, o de uruçu, rico em minerais, e o da irapuá, com notável ação cicatrizante, justificam plenamente o título de “néctar dos deuses” que lhes foi atribuído ao longo dos séculos.

Não podemos esquecer o tesouro da Região Nordeste que é o mel de jandaíra.14 Uma tradição que une firmamento e terra, astronomia e entomologia, em perfeita harmonia.

Fontes

  1. Vídeo “Astronomia nas civilizações: Mesopotâmia e Egito” no YouTube pelo canal do Observatório Astronômico da UFSCar. ↩︎
  2. Notícia “Festas de São João têm influência de tradições antigas de indígenas do nordeste”. ↩︎
  3. No livro do D’Abeville temos a seguinte referência: “SEICHOU — la Poussinière qu’ils connoissent bien. — Eichu, a abelha-mestra, de ei-kub, busca mel, ou pai do mel, conforme Batista Caetano. — Por esta dicção se vê a comunidade de idéias entre os tupis do Norte e seus parentes do Sul, que também davam o nome de Eichu à constelação das Plêiades ou Setestrelo” (D’Abeville, p.333). ↩︎
  4. Anais da 64ª Reunião Anual da SBPC, “Saberes astronômicos dos Tupinambás do Maranhão” por Germano Bruno Afonso. ↩︎
  5. Livro “História da Astronomia no Brasil (2013)”. ↩︎
  6. “O nascer helíaco de cada uma dessas estrelas que formam a corda da Arapuca precede o nascer helíaco das Plêiades, aproximadamente, nos seguintes intervalos de tempo: delta de Andrômeda — 45 dias; Rasalmothallah — 30 dias; 41 de Áries — 15 dias. Registrando a data e a direção do nascimento dessas três estrelas alinhadas, podemos prever a data e a direção do nascimento helíaco das Plêiades, que surgem aproximadamente no mesmo lugar que o Grande Quadrado de Pégaso. A partir do dia do desaparecimento das Plêiades ao escurecer, o Grande Quadrado de Pégaso já é bem visível antes de amanhecer. E tudo recomeça…” (Afonso Germano, 2005, P.
    79). ↩︎
  7. Livro “O Céu dos Índios de Dourados – MS”. ↩︎
  8. Navarro, Eduardo de Almeida. “Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil”. São Paulo: Global, 2013. ↩︎
  9. Artigo “Abelhas sem ferrão”. ↩︎
  10. Livro “Abelhas nativas sem ferrão”. ↩︎
  11. “Fichas catalográficas das espécies relevantes para a meliponicultura”. ↩︎
  12. Nogueira-Neto, Paulo. “Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão”. 3. ed. São Paulo: Nogueirapis, 1997. 446 p ↩︎
  13. Dos Santos, Rita de Cássia Matos et al. “Povos indígenas e abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) nas macrorregiões brasileiras”. Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar, v. 9, n. 29, 2023. ↩︎
  14. Áudio do “Podcast Nordestino” no Spotify. ↩︎

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