A Lapa da Sucupira, maior sítio arqueológico visitável da Serra do Cipó se projeta para um futuro de preservação.

Por Marina Gomide e Gustavo Villa.

Um paredão que guarda memórias da única cordilheira Brasileira

Às margens do Rio Parauninha — designação em tupi que significa “Peixe Preto” (Pogonias cromis), espécie de peixe de cor escura que pode alcançar até um metro e meio de comprimento, ergue-se um paredão rochoso calcário de proporções monumentais, com quase 30 metros de altura e mais de 500 metros de extensão.

A grandiosidade dessa formação rochosa anuncia a presença da Lapa da Sucupira, o maior sítio arqueológico visitável da Serra do Cipó, com mais de 1000 pinturas rupestres. Este patrimônio está registrado no IPHAN com o número MG00475. A Lapa reúne em uma só paisagem monumentalidade natural e relevância histórica, atributos que se entrelaçam para compor sua grande relevância.

Contudo, a importância cultural deste vale não se limita à Lapa da Sucupira. As margens do Rio Parauninha concentram uma rara densidade de ocupações humanas antigas: pelo menos cinco sítios arqueológicos, na proximidade da Lapa já foram identificados, sobretudo no lado oeste da Serra do Espinhaço.

Assim, é possível afirmar que o Vale do rio Parauninha foi um verdadeiro corredor de memória na Serra do Cipó, prova de que os povos antigos que habitavam a região eram exímios navegadores e que estas águas limpas e perenes eram essenciais para sua sobrevivência.

É importante afirmar que estes são apenas os sítios conhecidos. É possível que existam vários outros locais de memória no vale do Rio Parauninha que não foram descobertos pelas pesquisas. Concluímos, então, que este vale possuí um alto potencial arqueológico.

Esse potencial é exemplificado com mais detalhes no livro Cipó e Paraúna, onde Gustavo Villa remou pelo rio Parauninha vivenciando esta paisagem singular e conhecendo os mesmos locais que os primeiros colonos da região visitaram para a exploração de Salitre, imprescindível para a fabricação de pólvora.

E para além da história gravada no paredão da Lapa, a própria paisagem convida à contemplação. Do alto da Sucupira, o olhar se abre para o maciço da Serra do Espinhaço, a única Cordilheira Brasileira, que se encontra a leste do sítio arqueológico, visível a cerca de 5 km em linha reta.

A Serra do Espinhaço, localizada no Planalto Atlântico, é uma das cadeias de montanhas mais impressionantes e importantes do nosso país, e a única Cordilheira brasileira.

Formada há cerca de 1,8 bilhão de anos, sua origem está ligada a intensos processos geológicos do Período Proterozoico, quando movimentos tectônicos moldaram a crosta terrestre, elevando e dobrando rochas que deram origem a essa cordilheira estonteante, que está diretamente relacionada a paisagem da Lapa da Sucupira.

Esta cadeia se estende por mais de 1.000 km, desde o centro-sul de Minas Gerais até a Chapada Diamantina, na Bahia. Mais do que um marco geológico, o Espinhaço é um divisor ecológico e um ponto de encontro de três dos grandes biomas do Brasil: Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga.

No lado ocidental, o Espinhaço apresenta o bioma cerrado, presente na bacia do Rio São Francisco. Já no lado oriental, há transições para a Mata Atlântica, especialmente na porção mais úmida, ao longo da bacia do rio Doce.

A Caatinga aparece ao norte do Espinhaço, na região da Chapada Diamantina, estabelecendo uma zona de contato entre este bioma e os Campos Rupestres de Altitude, formação endêmica das áreas montanhosas da Serra, famoso pela sua alta concentração de biodiversidade.

A porção sul da Serra do Espinhaço foi designada pela UNESCO como patrimônio ambiental, paisagístico, cultural e histórico, sendo reconhecida como Reserva da Biosfera em 27 de junho de 2005.

O município de Santana do Riacho encontra-se bem no coração do deste gigante patrimônio ambiental e paisagístico, lar de inúmeros sítios arqueológicos que testemunharam a presença dos primeiros habitantes da região, os povos indígenas. Isso prova que a importância do Espinhaço não é de hoje, mas remete ancestralmente à sua ocupação.

Contemporaneamente, a importância do Rio Parauninha é tanta que configura-se como um recurso estratégico, que em conjunto com o Rio Cipó, compõe um dos mais importantes sistemas hídricos do Médio Rio das Velhas, além de ser fonte de entretenimento, e fruição por vários empreendimentos turísticos na região.

Esses cursos d’água abastecem o Rio das Velhas com água de qualidade potável que desembocam na região de Curvelo, uma vez que a nascente do Parauninha permanece preservada na Área de Preservação Ambiental (APA) Morro da Pedreira, próximo ao Pico do Breu, na região da Lapinha.

Além de contribuírem para a despoluição do Velhas, as águas do Parauninha reforçam sua importância estratégica, já que este afluente desempenha papel fundamental como reserva hídrica do São Francisco, já que o Velhas deságua neste importante curso d’água.

Assim consolida-se um relevante sistema hídrico nacional que ultrapassa os limites territoriais da Serra do Cipó.

Assim, pode-se afirmar que a beleza cênica, a relevância ambiental e a singularidade paisagística do Vale do Rio Parauninha foram vivenciadas por povos ancestrais do Cipó e do Espinhaço, e esse legado chega até nós na forma de uma paisagem cultural de extrema relevância — fonte de vida, de água limpa, de renda, de lazer e de fruição, que deve ser preservada e valorizada.

Primeiros registros: a expedição de 1757

Os primeiros relatos sobre a Lapa aparecem na expedição de 1757, descrita na obra Cipó e Paraúna – A Primeira Expedição[1],. Na época, o maciço calcário era chamada de “Pedreira da Paraúna” ou “Lapa do Arco”, devido ao arco natural de calcário moldado pela erosão visível para quem vem navegando no Rio Parauninha em direção à Sucupira.

A referida expedição integrava um esforço da Coroa Portuguesa para mapear grutas em busca de salitre (nitrato de potássio), insumo estratégico para a produção de pólvora. Em um período marcado por intensas disputas internacionais, como as Guerras Napoleônicas, já que esse recurso era essencial para a produção de pólvora para o império luso.

Já naquele primeiro levantamento, os exploradores registraram a presença de pinturas rupestres com representações de onças, veados, bugios e motivos cruziformes — testemunhos materiais, já no século XVIII, da ocupação da região da Serra do Cipó por povos originários.

Os registros dos exploradores Miguel Luiz Filgueiras e Antônio José Fernandes compõe os primeiros indícios escritos da literatura colonial sobre essa arte ancestral, gravada nas paredes da sucupira. Essa história você pode saber mais adquirindo o Livro Cipó e Paraúna do Parque Pedra do Sol !

Camadas multicomponenciais na Lapa da Sucupira

Em 2016, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) realizou uma vistoria técnica na Lapa, dentro de um programa de fiscalização anual de sítios arqueológicos do Instituto.

Esta vistoria técnica trouxe revelações importantes sobre a Lapa da Sucupira; Logo na entrada de uma das grutas do grande paredão calcário, registrada como Sucupira III (a 260 metros do painel principal), foi encontrado um fragmento de telha colonial — um indício claro da presença luso-brasileira na região, infelizmente o Instituto não tirou fotos da telha.

Na mesma gruta, arqueólogos do Instituto identificaram fragmentos de cerâmica classificados como “neobrasileira” (IPHAN, 2016; CHYMZ, 1976) ou, em alguns estudos, tipologia material referida como “cerâmica cabocla” (DIAS JR, 1964).

Esse tipo de material é fruto do encontro entre diferentes culturas: reúne técnicas indígenas — como o uso de cacos moídos e decorações feitas na argila ainda úmida — com formas e acabamentos que remetem à tradição da olaria europeia e africana (MORALES, 2001).

A cerâmica “neobrasileira” revela como essa produção ceramista estava ligada diretamente ao dia a dia das populações coloniais comuns — indígenas aldeados, africanos escravizados e grupos mestiços que reinventavam suas práticas diante das condições da época, principalmente a escravidão e a violência da colonização.

Esse tipo de cerâmica, amplamente identificado em várias regiões do Brasil, como no Estado de São Paulo (DEMINICIS, 2017), também levanta debates. Muitos arqueólogos e arqueólogas chamam a atenção para as limitações da categoria “neobrasileira”, considerada, as vezes, ampla demais e, também, incapaz de capturar a diversidade regional e temporal dessas produções (LINKE, 2018).

É importante ressaltar que esses fragmentos podem atestar os testemunhos materiais de convivência, resistência e transformação cultural na Serra do Cipó. A cerâmica neobrasileira na Lapa da Sucupira pode indicar que o local não foi apenas um território de ocupação indígena pré-colonial, mas  pode ter se configurado como um espaço de continuidade cultural durante a colonização — um lugar onde diferentes saberes se encontraram e se transformaram mutuamente.

No entanto, é importante destacar que categorias como “neobrasileira” precisam ser usadas com cautela. Como aponta Linke (2018), parte do que hoje é classificado a partir dessas noções na cultura material, na verdade pode corresponder a uma produção local pré-colonial, com características próprias e pouco estudadas.

Isso reforça a necessidade de aprofundar as análises cerâmicas na Lapa da Sucupira, de modo a compreender melhor a complexidade cultural inscrita nesses fragmentos identificados pelo Instituto em 2016.

Independentemente de esses fragmentos serem ou não resultado da convivência entre grupos de diferentes matrizes culturais, o fato é que a memória oral confirma a presença de povos indígenas no local até o final do século XIX e início do século XX.

Durante a escrita do livro Cipó e Paraúna, já mencionado, o historiador Gustavo Villa ouviu de um senhor idoso da comunidade de Mato Grande, próxima à Lapa, que o avô dele contava que ainda havia indígenas ocupando a Lapa da Sucupira.

Trata-se de uma memória que ecoa por cerca de cinco gerações, reforçando que a presença indígena na região não é apenas um dado arqueológico, mas também parte da tradição oral transmitida entre algumas poucas famílias locais.

Assim, a Sucupira é um local de memórias sobrepostas: relatos sobre os povos indigenas e sua presença ecoam pelo tempo. A telha colonial identificada pelo IPHAN é um testemunho material crucial para entender a sobreposição de ocupações no sítio.

Neste aspecto, outro ponto que reforça a presença colonial na Sucupira são as marcas de retirada de brecha no paredão, associadas à antiga exploração de salitre, matéria-prima essencial para a produção de pólvora, conforme destacado no livro Cipó e Paraúna.

Essas marcas são como cicatrizes na pedra, lembrando que a Lapa também fez parte de um contexto geopolítico global. Durante as Guerras Napoleônicas, os portugueses exploraram a Serra do Cipó em busca de salitre para produzir munições destinadas aos conflitos na Europa, conforme destacado no livro do Parque Pedra do Sol.

Assim, a Lapa da Sucupira se configura como um espaço de memórias sobrepostas, onde se entrelaçam os vestígios da ancestralidade indígena — registrados nas pinturas rupestres —, as marcas da economia colonial, como as escavações para retirada de salitre, e as lembranças vivas guardadas pelos moradores mais antigos da comunidade.

Na Arqueologia, sítios com tamanha diversidade temporal e cultural são chamados de “multicomponenciais” — espaços onde diferentes histórias se encontram e se entrelaçam ao longo dos séculos. São lugares que revelam múltiplas dimensões de uso e ocupação, conformando-se como uma Paisagem Cultural singular.

Desenhos nas pedras e sobreposições de ocupações na Lapa da Sucupira ao longo dos milênios

Do ponto de vista da ocupação originária, a Lapa da Sucupira guarda um dos conjuntos de pinturas rupestres mais expressivos de toda a Serra do Cipó.

Os painéis se estendem pelo paredão e exibem uma variedade surpreendente de cores e técnicas: pigmentos em tons de vermelho, branco, amarelo e preto, aplicados tanto de forma diluída quanto na técnica de crayon, em que o pigmento seco, como se fosse uma espécie de giz de cera é aplicado diretamente na rocha.

Configurando-se como o maior sítio arqueológico visitável da Serra do Cipó, é um local de tirar o fôlego.

O sítio arqueológico do Grande Abrigo de Santana do Riacho é o maior sítio arqueológico da região e o que foi mais estudado, no entanto, não é aberto para visitação porque se encontra no terreno da Companhia Industrial – chamado localmente como “Usina”. Assim, a Lapa da Sucupira é o maior sítio arqueológico visitável de toda a Serra do Cipó.

Um aspecto interessante do sítio é a sobreposição das pinturas onde uma figura sobrepõe-se a outra. A partir disso é possível entender a cronologia de execução dos grafismos. As pinturas em níveis inferiores foram pintadas antes, em relação às pinturas em níveis superiores.

Isso não quer dizer nada em relação a uma cronologia absoluta das datações dos desenhos, apenas momentos distintos de confecção da arte, ou seja, é um tipo de datação relativa. Pode ter sido por uma mesma população, ou não que executou os desenhos de estilos diferentes e sobrepostos.

Mas, geralmente pode-se afirmar que quando o estilo de desenho muda radicalmente, provavelmente uma outra população, pode ter sido responsável por confeccioná-lo. É como se um grupo distintos de “grafiteiros” viesse ao mesmo local e executasse sua arte, na mesma paisagem que um outro grupo, com estilos diferente, costumava fazer seus desenhos.

A Lapa da Sucupira guarda essa sobreposições de desenhos, onde é possível realizar a análise crono-estilística. Ou seja, a análise dos desenhos a partir de suas sobreposições de temáticas e estilos.

Na foto a seguir observa-se um painel composto por dois antropomorfos (figuras de animais) sobrepostos a um fundo de motivos pontiformes (conjunto de pontos). Essa sobreposição indica que os pontos foram realizados primeiro, antecedendo a execução das figuras animais.

Mas talvez os mais marcantes sejam os famosos “bonecões” — grandes figuras humanas estilizadas que destoam dos padrões tradicionais da região. Esses grafismos são possivelmente associados à chamada Tradição Agreste, atribuída a populações que costumavam pintar no Nordeste brasileiro, sugerindo diálogos culturais, rotas migratórias e sobreposições de ocupação ao longo dos milênios na Lapa.

A Lapa está localizada em um ponto geográfico estratégico, às margens do rio Parauninha, podendo ter funcionado como rota de passagem tanto para grupos vindos mais ao norte da Serra do Espinhaço, na atual região de Diamantina, quanto para aqueles que seguiam em direção à antiga Curral del Rei — área que hoje corresponde a Belo Horizonte.

Hoje, esses célebres “bonecões” e outros grafismos da Lapa extrapolam o campo acadêmico: eles circulam amplamente em mídias sociais e já se consolidaram como símbolos identitários que remetem à arqueologia da Serra do Cipó.

Mais do que apenas imagens antigas, as pinturas são pontes entre passado e presente, aproximando o grande público de um patrimônio milenar que continua vivo, porém, ainda, infelizmente muito sucateado.

Depredações e perdas sistemática e profundas

Infelizmente, a Lapa da Sucupira também carrega em sua história marcas de descasos e abandonos sistemáticos. Entre as décadas de 1960 e 1970, o sítio foi alvo da ação de um colecionador de Belo Horizonte — episódio registrado nos arquivos do MHNJB/UFMG — que resultou na destruição de grande parte de seu sedimento arqueológico.

Esse impacto comprometeu a possibilidade de escavações aprofundadas, como as que foram realizadas pela missão franco-brasileira no Grande Abrigo Santana do Riacho, a apenas 10 km dali, entre os anos de 1976 e 1979.

Com o tempo, outros episódios se somaram: pichações, incisões feitas diretamente sobre os grafismos e até a retirada de fragmentos do paredão com pinturas rupestres.

Cada uma dessas ações fragilizou ainda mais a integridade da Lapa — resultado não apenas do descuido, mas também do desconhecimento da sociedade sobre o valor inestimável das pinturas e das histórias gravadas em seu maciço rochoso

O triste histórico de descaso institucionalizado

A Lapa da Sucupira é um sítio arqueológico que evidencia o estado de abandono em que o patrimônio arqueológico vem sendo tratado pelo poder público e pela sociedade.

Esse descaso reflete, sobretudo, a história indígena que, assim como em tantos outros lugares do Brasil, permanece apagada e invisibilizada.

O passado colonial de invasão e extermínio deixou marcas profundas e, de certa forma, continua ecoando até hoje: a ignorância e o descaso seguem silenciando saberes e apagando patrimônios que guardam memórias preciosas sobre os povos originários e sua relação com a paisagem.

O Relatório de Vistoria Técnica do IPHAN (2016), mencionado anteriormente chama atenção para esse descaso. O documento registra pichações antigas (de 1949), mostrando não só a longa história de visitação descontrolada, mas também os efeitos constantes da depredação.

O relatório ainda identificou negativos de retirada de blocos do piso e do paredão, alguns com diferentes graus de pátina, evidenciando tanto processos naturais de descamação quanto retiradas intencionais ao longo do tempo.

Na Serra do Cipó como um todo, o cenário não é diferente. Já foram registrados pelo menos 10 sítios arqueológicos depredados, dentro de um universo de cerca de 50 sítios conhecidos pela equipe do Parque Pedra do Sol.

Mais grave ainda: até mesmo dentro do Parque Nacional da Serra do Cipó existem sítios arqueológicos depredados. Isso revela como a ausência de ações efetivas de preservação ameaça não apenas a memória local, mas também um patrimônio que pertence a todos os brasileiros.

Essas perdas acontecem, em grande parte, por causa do desconhecimento da população, da falta de informação acessível e da ausência de políticas públicas consistentes de registro, sinalização e preservação e mais do que isso, de fiscalização.

Esse quadro é grave ao longo de todo o Espinhaço. Mais ao norte, na região de Diamantina o processo extrativo de mineração vem motivado o apagamento sistemático e proposital das pinturas rupestres em vários abrigos da região, principalmente para a exploração de rochas ornamentais.

Um levantamento recente apresentado no III Fórum de Arqueologia no Licenciamento Ambiental (Belo Horizonte, 2025) compilou informações georreferenciadas de 280 sítios arqueológicos registrados nos municípios de Diamantina, Datas, Gouveia, Monjolos e Serro (TOBIAS JR, CAMPOS & HORTA, 2025).

A sobreposição desses sítios com os títulos minerários ativos revelou que 184 encontram-se diretamente ameaçados por autorizações de pesquisa, requerimentos e concessões de lavra, o que pode suscitar o apagamento sistemático e proposital de pinturas rupestres, como foi o caso do vandalismo que acometeu o sítio arqueológico Mendanha de Curralinho, em janeiro de 2024, que pode ser visto nas imagens a seguir:

Em análise as últimas figuras mostradas, o caso da Serra do Cipó em contraposição ao vandalismo de Diamantina parece mais motivado pela ignorância e pelo desconhecimento da população, do que por ações raivosas de apagamentos sistemáticos motivados por milícias de mineradoras.

O vandalismo do Cipó não suscita raiva tampouco é intencional sob as pinturas rupestres, a região de Diamantina é um caso mais grave e deve ser combatido com caso de polícia e fiscalização constante.

O Cipó, felizmente, como a principal fonte de renda é o turismo, ainda não é alvo sistemático de apagamentos motivados pela exploração mineral, o que de certa forma é um “alívio”, porém deve intensificar suas políticas públicas de cuidado ao patrimônio arqueológico.

Enquanto isso, histórias gravadas nas pedras, que poderiam educar e inspirar, seguem expostas ao risco do apagamento definitivo, por puro desconhecimento, descaso e negligência.

Quando a história se transforma em futuro

Nos últimos anos, a história da Lapa da Sucupira ganhou um novo capítulo. Os atuais proprietários, Fernanda, Bruce e Bernardo, assumiram a responsabilidade de cuidar do espaço. Eles prestam homenagem à memória de Rodrigo — escalador apaixonado pela Serra do Cipó, idealizador da Provernet e incansável defensor da preservação ambiental.

Rodrigo, tio de Bruce, marido de Fernanda e pai de Bernardo, faleceu em 2024, mas deixou como legado um profundo vínculo afetivo com a Lapa e com a memória da região. Um laço que não se encerrou com sua partida, mas que continua vivo no trabalho de quem hoje mantém essa história de pé.

Desde a aquisição da Lapa da Sucupira por Rodrigo, as depredações foram contidas e iniciou-se uma gestão mais responsável, com controle da visitação e fiscalização constante. Inspirados por Rodrigo, sua família sonha com a criação de um espaço de memória, que devolva dignidade ao sítio e o transforme em referência para a pesquisa, a conservação e a educação patrimonial.

O primeiro passo nesse sentido foi dado em agosto de 2025, com a etapa inicial do projeto de capacitação de condutores ambientais. Em parceria com Fernanda e Bruce, e com o apoio da Secretaria de Turismo de Santana do Riacho, foi promovido o 1º curso de formação voltado aos condutores da região.

Esse primeiro passo foi fundamental para alinhar os discursos sobre as pinturas rupestres, oferecendo subsídios para que os condutores possam guiar com qualidade e segurança. Além disso, contribuiu para fortalecer o senso comunitário de preservação desse patrimônio, uma vez que os condutores são os que mais frequentam os sítios e, por isso, têm maior sensibilidade para perceber suas sutilezas em relação a usos irregulares do espaço.

O projeto na Lapa da Sucupira

Restaurar o painel da Lapa da Sucupira e implantar estruturas adequadas de visitação é muito mais do que preservar um patrimônio: é reconhecer e valorizar a ancestralidade indígena da Serra do Cipó e, ao mesmo tempo, compreender a presença cultural luso-brasileira na região.

Essas dimensões da história ainda são pouco trabalhadas no ensino formal da região, em grande parte pela escassez de material didático específico sobre a arqueologia da Serra do Cipó como um todo, e pela falta de formação docente voltada para esse tema.

Mais do que um espaço de visitação, o projeto de Bruce, Fernanda e Bernardo tem o potencial de se tornar um laboratório vivo de educação patrimonial, onde estudantes, professores e turistas possam vivenciar a história e compreender a profundidade do legado da ocupação indígena profunda, através do maior sítio arqueológico visitável do Cipó.

O trabalho de Fernanda, Bruce e Bernardo honra a memória dos que vieram antes — de Rodrigo e de todos aqueles que deixaram suas marcas na Lapa da Sucupira. A missão da família é proteger e ressignificar um sítio arqueológico magnífico, que por muito tempo foi vítima do descaso, de pilhagens e de depredações sistemáticas.

O projeto sonhado por eles busca não apenas preservar, mas também ampliar a acessibilidade para a comunidade local e para visitantes, oferecendo sobretudo às crianças da região a chance de conhecer de perto a riqueza cultural da Serra do Cipó por meio de seu maior sítio arqueológico visitável — um território marcado primeiro pela presença indígena e, mais tarde, pela ocupação portuguesa.

A antiga Lapa do Arco, hoje conhecida como Lapa da Sucupira, deixa de ser apenas um espaço marcado por perdas e silenciamentos sistemáticos para se projetar para o futuro como um polo de memória, aprendizado e turismo sustentável.

Seu caminho atual representa um verdadeiro gesto de reparação histórica: recuperar uma memória tantas vezes esquecida ou apagada e projetá-la em direção a um futuro brilhante, onde o passado é reconhecido, o presente é cuidado e o amanhã é construído com dignidade, conhecimento e pertencimento.

Nesse sentido, o Parque Pedra do Sol reconhece a iniciativa, mas também compartilha do mesmo sonho da família: transformar a Lapa da Sucupira em um espaço de resistência, memória e esperança para as próximas gerações.

O compromisso que move a família também inspira o Parque, que vê na iniciativa a oportunidade de fortalecer a preservação, ampliar o acesso à história e manter viva a história indígena profunda enraizada no território da Serra do Cipó.

Visitar a Lapa da Sucupira

Para visitar a Lapa da Sucupira, o maior sítio arqueológico aberto para o turismo na Serra do Cipó, você pode entrar em contato diretamente com o Bruce que é quem cuida com carinho do espaço e idealizou esse projeto incrível de museu e centro interpretativo na Lapa.

Visite a Lapa da Sucupira e conheça de perto o projeto de Bruce, Fernanda e Bernardo. Sua presença fortalece um turismo sustentável, enraizado nas marcas ancestrais do território, e contribui para a criação de um museu capaz de transformar perspectivas.

A Lapa da Sucupira também possui uma pousada onde você pode pernoitar e aproveitar o dia inteiro no sítio arqueológico

Referências

CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva. Nota de repúdio do CEDEFES: depredação de patrimônio cultural em Diamantina/MG. CEDEFES, 2024. Disponível em: https://www.cedefes.org.br/nota-de-repudio-do-cedefes-depredacao-de-patrimonio-cultural-em-diamantina-mg/. Acesso em: 7 set. 2025.

CHMYZ, I. Terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica. Cadernos de Arqueologia, v. 1, n. 1, p. 119-148. Museu de Arqueologia e Artes Populares, Paranaguá, 1976.

DEMINICIS, Rafael Borges. A escrita da história do Brasil através dos vasilhames cerâmicos das populações subalternas: o papel atual da arqueologia. Revista de Arqueologia, v. 30, n. 1, p. 73-88, 2017.

DIAS JR., Ondemar. Cerâmica cabocla. Boletim de Arqueologia do IAB, v. 3, n. 2, p. 7-11, 1964.

IPHAN. Relatório de Vistoria Técnica do Plano Fiscalis 2016 – Sítios Arqueológicos Sucupira I, II e III. Belo Horizonte: IPHAN, 2016.

LINKE, Vanessa. Por uma discussão das cerâmicas em abrigos da região de Diamantina, Minas Gerais. FUMDHAMentos, São Raimundo Nonato, v. XV, n. 1, p. 69-91, 2018.

MORALES, Walter; MOI, Flávia. A cerâmica “neo-brasileira” nas terras paulistas: um estudo sobre as possibilidades de identificação cultural através dos vestígios materiais na vila de Jundiaí do século XVIII. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 11, p. 165-187, 2001.

TOBIAS JUNIOR, Rogério; CAMPOS, Paulo Andrade; HORTA, Andrei Isnardis. Danos irreversíveis a sítios arqueológicos na região de Diamantina decorrentes da mineração de rocha ornamental: situação atual, alteração legal e prognósticos. III Fórum de Arqueologia no Licenciamento Ambiental, Belo Horizonte, 20–22 ago. 2025. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/394858636_Danos_irreversiveis_a_sitios_arqueologicos_na_regiao_de_Diamantina_decorrentes_da_mineracao_de_rocha_ornamental_situacao_atual_alteracao_legal_e_prognosticos. Acesso em: 7 set. 2025.

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Grande Abrigo de Santana do Riacho – Relatório Final das Pesquisas da Missão Franco-Brasileira (Tomo I). Belo Horizonte: Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, 2012. (Arquivos do Museu de História Natural, v. 12).

UNESCO. Serra do Espinhaço – Reserva da Biosfera. Paris: UNESCO, 2005.

VILLA, Gustavo. Cipó e Paraúna: a primeira expedição – 1757. Belo Horizonte: [s.n.], 2025.


[1] Produção em processo de editoração pela editora Traço Rupestres do Parque Arqueológico da Pedra do Sol

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